14 de setembro de 2009

Panela cheia de ciência


Hervé This, o químico francês que levou a cozinha para o laboratório, lança novo livro em português. Sempre entusiasmado com a descoberta do que acontece nas panelas e nos fogões, ele proclama 'viva a ciência!' enquanto trabalha num laboratório em Paris

- Herança Culinária e as Bases da Gastronomia Molecular, do químico francês Hervé This, será lançado no Brasil na Bienal do Livro, que começa hoje no Rio de Janeiro. É o oitavo livro publicado pelo homem que mudou sua vida por causa de um suflê que deu errado. O célebre fiasco aconteceu em 16 de março de 1980 e This resolveu investigar as causas. Foi fácil descobrir que seu erro tinha sido pôr todas as gemas de uma vez, em vez de adicionar de duas em duas para não saturar a mistura. Mas o episódio fez com que This tomasse gosto pela pesquisa ligada à cozinha e seguisse investigando os mitos culinários. Atualmente Hervé This chefia as pesquisas da equipe de gastronomia molecular do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica, em Paris, dá aulas e passa horas na cozinha às voltas com testes de receitas e hipóteses. Faz ainda um trabalho em parceria com o chef Pierre Gagnaire. E, é claro, escreve livros sobre a química na cozinha. Com o autor ainda obcecado com as propriedades do ovo, do óleo e dos caldos, o livro de Hervé que chega agora ao Brasil oferece ao leitor um cardápio fixo: seis clássicos da culinária (duas entradas, dois pratos e duas sobremesas) esmiuçados até a última molécula. O livro, muito além de ser um apanhado de explicações técnicas sobre os alimentos, é um gostoso bate-papo. Afinal, como Hervé diz na obra, "não comemos química, mas sabores". Em parceria com a jornalista Marie-Odile Monchicourt, Hervé relembra os primeiros anos de trabalho com Nicolas Kurti, físico húngaro com quem fundou, em 1992, os seminários de Érice, na Sicília (Itália). As reuniões anuais com cientistas e amantes da gastronomia ocorreram até 2001 e foram fundamentais para a disseminação das ideias que, poucos anos depois, chegaram a Ferran Adrià - o fim de um mundo e o começo de outro, mais experimental. Hervé This acredita que a cozinha molecular será apenas uma transição, uma etapa necessária para introduzir novas ferramentas, ingredientes e métodos na culinária. E diz que o mais interessante, hoje, não é a cozinha abstrata que havia proposto há algum tempo, nem a "cozinha nota por nota" que propôs em seguida, mas o construtivismo culinário, que consiste em construir os pratos pensando em todas as sensações. Além dos encontros com Nicolas Kurti (falecido em 1998) e com o chef Pierre Gagnaire, ele fala da paixão pela ciência aos 6 anos, quando ganhou do pai uma caixa de química e, ao mesmo tempo, foi apresentado à biblioteca da casa. "Minha mesada era dividida entre as duas atividades", conta. Sempre disposto a gastar horas numa boa conversa, Hervé This falou por e-mail com o Paladar. O que o senhor cozinha de olhos fechados? Qualquer coisa. Em casa, pelo menos, nada dá errado. Faço comida todo dia e sempre acerto. Cozinhar não é difícil quando você entende o que está fazendo. Mas quando algo dá errado (recentemente, fiz um fermento que não vingou, provavelmente por causa do clima), fico até feliz, porque aprendo com isso. Qual é o erro mais comum que se comete na cozinha? O fato de algumas receitas não darem certo significa que algo não foi explicado corretamente. Por exemplo: por séculos, diziam que para fazer maionese era preciso usar ovos e óleo na mesma temperatura. Isso é besteira. O problema não é a temperatura e sim a proporção entre eles. Cozinhar é precisão científica ou prazer? Não, cozinhar não é precisão. Mas você pode ter certeza de que os melhores chefs são técnicos maravilhosos. Publiquei um livro com o título Cozinha: uma Questão de Amor, Arte e Técnica (Cooking, It"s Love, Art and Technique, com Pierre Gagnaire). E é verdade. Primeiro amor, porque você tem de gostar das pessoas que recebe para perder tempo preparando algo "bom" para servir. Você precisa adivinhar o gosto dos convidados, pensar em detalhes maravilhosos... Tudo para dizer a eles, implicitamente, "Amo vocês." Mas é claro que, se você não souber como fazer, se não dominar a técnica, então não vai ter jeito. O que a ciência ainda não respondeu sobre culinária? Sabemos muito pouco. Aqui no laboratório estamos tentando, há pelo menos dez anos (sem interrupção), desvendar as propriedades físicas e químicas de uma simples cenoura. Só agora começamos a entender. Tenho aqui relacionadas mais de 25 mil lendas culinárias, e é preciso um mês de testes para confirmar a veracidade de apenas uma delas. Imagine o trabalho que temos pela frente. Hervé This explica por que

...a maionese desanda de repente Causa: geralmente porque os ingredientes estão frios demais, ou porque a emulsão não contém água bastante para a quantidade de óleo utilizada. Solução: em geral, os livros de receita aconselham acrescentar uma nova gema para recuperar o estado pastoso da maionese. Às vezes basta acrescentar água e bater vigorosamente. ...legumes verdes escurecem depois de cozidos É bom voltar às aulas de química para responder essa questão. O corte e o cozimento liberam uma enzima que degrada a molécula de clorofila, substância que dá a cor verde das plantas. A estrutura da clorofila se modifica e isso altera a cor de legumes e verduras para marrom-esverdeado. Solução: cozinhar rápido e com água muito quente "fixa" o verde. ...cozinhar ovos em água com vinagre para impedir que a casca quebre é mito O que ocorre é que o vinagre coagula a clara, impedindo-a de vazar pela rachadura. A única maneira comprovada de evitar a quebra da casca do ovo é manter a temperatura de cozimento em torno de 70°C - ou seja, não deixar que a água entre em ebulição, o que acontece quando sua temperatura atinge os 100°C. ...é preciso lavar a batata antes de fritar Mão à palmatória: esse costume tem sua razão de ser, sim. As batatas, depois de cortadas, liberam amido. Se não forem lavadas, os grãos de amido se dispersam no óleo e deixam a batata queimada e escura. Mas é indicado secar a batata antes de fritar, porque a água vai diminuir a temperatura do óleo da frigideira. Resultado: batatas murchas e gordurosas.

Fonte:
ESTADÃO

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