Discussão na França: a limitada e exclusiva área onde se produz o famoso espumante deve ser ampliada?
Elaine Sciolino, The New York Times, Serval - França - O Estado de S.Paulo
Serge Mousseaux administra uma das comunas mais pobres na França. Agricultor durante toda a vida, ele é prefeito de Serval, vilarejo de 50 habitantes, cuja sede é um imóvel de três salas onde os únicos adornos são as bandeiras da França e da União Européia. Mas, atrás desse prédio, existe um local oculto que, segundo ele, contém a chave da prosperidade.
Trata-se de uma caverna de calcário, onde Serge Mousseaux, 66 anos, mantém centenas de garrafas de vinho frisante que produz com suas uvas. Ele espera, um dia, denominar seu vinho de champanhe. Numa degustação improvisada na prefeitura, ele levantou a taça com sua bebida: "Veja a efervescência, essas bolhas minúsculas. Isso é mágica, poesia - tão diferente do que é feito pelas grandes casas produtoras de champanhe."
Pela lei francesa, o único vinho espumante em todo o mundo com direito ao nome champanhe tem que ser fabricado com uvas cultivadas em terrenos oficialmente designados, dentro da França.
Mas, como a demanda global pelo champanhe vem aumentando, também vem crescendo a pressão pela expansão dessas áreas. As casas produtoras de champanhe querem ter acesso garantido a uma quantidade maior de uvas Pinot Noir, Chardonnay e Pinot Meunier, usadas para a fabricação do verdadeiro champanhe.
Agricultores e proprietários de terras que não estão dentro desse espaço designado oficialmente esperam juntar-se a esse clube exclusivo de privilegiados.
Com o objetivo dessa expansão, em outubro, uma equipe de especialistas indicados pelo governo francês, elaborou uma lista secreta de 40 comunidades, ou comunas, que poderão vir se juntar às outras 319 cujo produto tem a designação Appelation d?Origine Controlée, AOC (Denominação de Origem Controlada, DOC), um cobiçado, embora difícil, certificado que legitima o conteúdo, o método e a origem de produção de um produto agrícola francês. A iniciativa, se aprovada, dará início à maior expansão das vinhas de champanhe em oito décadas.
A lista vazou imediatamente para o jornal local de Reims, provocando uma onda de protestos e ações judiciais, além de alimentar rumores sobre quem poderá fazer fortuna com a expansão. As terras de Mousseaux, por exemplo, foram deixadas de fora. Apenas uma comunidade da região de Aisne, onde ficam as terras dele, foi incluída.
"Isso é incompreensível", disse o prefeito Mousseaux, cuja família se dedica há gerações ao cultivo de uvas na terra seca e pedregosa. "Temos exatamente o mesmo solo das áreas que foram selecionadas, temos o mesmo sol, as mesmas belas colinas. Esta terra é tão perfeita que as uvas crescem até em nossos jardins."
Embora sua propriedade esteja somente a dez quilômetros do território produtor de champanhe oficial, ele é considerado um intruso, proibido de vender o que informalmente chama de Vin de Serval. Suas garrafas são lacradas com rolhas de metal porque as de champanhe, de cortiça, são caras. Há anos Mousseaux participa de um lobby de 350 agricultores - na ativa e aposentados - que leva o desajeitado nome de Associação para a Delimitação de uma Vinha de Champanhe e Colinas de Champanhe DOC nos Vales do Aisne e de Vesle, cuja meta é expandir a plantação de uvas para champanhe para suas terras.
A associação mantém um arquivo de fotos antigas de vinhas e de fórmulas de champanhe que provam a entrega das uvas da família para uma fábrica produtora de champanhe oficial em 1962, época em que os controles legais tinham menos rigidez.
Mas outros envolvidos na reformulação do mapa do champanhe da França são mais radicais. Dizem que a decisão é muito mais complicada que o tamanho das bolhas da bebida.
Eles repudiam vinicultores como Mousseaux, taxando-os de românticos incorrigíveis que desconhecem os cinco critérios envolvidos: a história do champanhe, a geografia, a geologia, agronomia e uma área obscura, a fitossociologia, que estuda o comportamento das plantas num determinado ecossistema.
Ghislain de Montgolfier, presidente (está de saída do cargo) da empresa Bollinger e diretor da União das Casas Produtoras de Champanhe, grupo comercial que congrega todos os fabricantes da bebida, disse: "Tenho alguns bons amigos entre esses agricultores, mas digo a eles que as velhas regras não são padrão de julgamento. Hoje há um sistema científico e jurídico mais racional. Alguns ganham e outros perdem."
O principal motivo de tanta agitação com essa possível expansão da área de produção do champanhe é que muito dinheiro está em jogo. O valor das terras de plantação de uva destinada à produção de champanhe é no mínimo 200 vezes maior que o das terras de plantio de trigo e beterraba, diz Daniel Lorson, porta-voz do Comitê Interprofissional dos Vinhos de Champanhe, organização profissional especializada. Tom Stevenson, autor da World Encyclopedia of Champagne and Sparkling Wine (Enciclopédia Mundial do Champanhe e Vinhos Espumantes), a partir de uma análise feita em novembro, calcula que, com base na localização das 40 novas comunas selecionadas, entre 1.200 e 4.800 hectares serão acrescentados. O que poderá gerar cerca de US$ 9 bilhões para os proprietários das terras.
Historicamente, a plantação de uva nesta parte da França não significou enriquecer. Muitas áreas nunca se recuperaram depois do ataque do parasita filoxera, que, no século 19, destruiu as vinhas francesas, e também da devastação da 1ª Guerra Mundial. Muitos prefeitos não queriam que seus municípios fizessem parte da região vinícola alegando que os produtores de champanhe eram mais aristocratas que empresários. Além disso, a pecuária e o cultivo de grãos eram mais lucrativos.
A definição da região do champanhe veio com uma lei promulgada em 1927, que levou em conta a qualidade do solo, os níveis de água subterrâneos e a exposição do terreno ao sol. Essa área se expandiu desordenadamente com os anos, chegando hoje a mais de 32 mil hectares.
"As pessoas começaram a perguntar por que o status de champanhe era dado a uma comuna e não a outra", disse Hervé Briand, diretor-adjunto do Instituto Nacional de Denominações de Origem, agência governamental encarregada de fiscalizar a qualidade das bebidas e alimentos na França. "Com isso percebemos que era preciso ter uma abordagem global."
Grande parte da terra oficialmente designada como de champanhe já era cultivada e a demanda, num setor que contabiliza US$6 bilhões por ano, vinha crescendo, sobretudo a demanda de novos mercados, como Rússia, China e Índia. Assim, há quatro anos, o instituto ordenou um estudo sobre uma possível expansão. Certamente, não teremos novos viticultores milionários da noite para o dia. Mesmo que o Instituto Nacional aceite as recomendações iniciais, será realizada uma discussão pública, com duração de um ano. E então chega-se à fase mais difícil, a da decisão. No mínimo em 2009, os novos lotes de terra específicos para produção de uvas de champanhe serão escolhidos.
Em principio, o solo arável dessas terras deve ter luz e não ser muito fértil, seu subsolo deve ser calcário, suas colinas devem ter face para o sul. Os campos não podem ser muito vulneráveis ao gelo ou muito próximos de florestas. Para manter a qualidade, o volume máximo de produção por hectare é determinado por lei a cada ano.
Nos próximos anos, não devem ser plantadas novas vinhas. E a primeira safra da ?nova? região champanhe? estaria prevista apenas para depois de 2015.
Executivos das grandes casas produtoras de champanhe mal disfarçam a sua satisfação com essa expansão. "Estamos muito calmos, impassíveis", disse Pierre-Emmanuel Taittinger, diretor gerente da gigante casa de champanhe Taittinger, que pressiona por uma mudança há mais de duas décadas. "Ela é tão obviamente lógica...", disse ele.
Fonte:
www.estadao.com.br
Elaine Sciolino, The New York Times, Serval - França - O Estado de S.Paulo
Serge Mousseaux administra uma das comunas mais pobres na França. Agricultor durante toda a vida, ele é prefeito de Serval, vilarejo de 50 habitantes, cuja sede é um imóvel de três salas onde os únicos adornos são as bandeiras da França e da União Européia. Mas, atrás desse prédio, existe um local oculto que, segundo ele, contém a chave da prosperidade.
Trata-se de uma caverna de calcário, onde Serge Mousseaux, 66 anos, mantém centenas de garrafas de vinho frisante que produz com suas uvas. Ele espera, um dia, denominar seu vinho de champanhe. Numa degustação improvisada na prefeitura, ele levantou a taça com sua bebida: "Veja a efervescência, essas bolhas minúsculas. Isso é mágica, poesia - tão diferente do que é feito pelas grandes casas produtoras de champanhe."
Pela lei francesa, o único vinho espumante em todo o mundo com direito ao nome champanhe tem que ser fabricado com uvas cultivadas em terrenos oficialmente designados, dentro da França.
Mas, como a demanda global pelo champanhe vem aumentando, também vem crescendo a pressão pela expansão dessas áreas. As casas produtoras de champanhe querem ter acesso garantido a uma quantidade maior de uvas Pinot Noir, Chardonnay e Pinot Meunier, usadas para a fabricação do verdadeiro champanhe.
Agricultores e proprietários de terras que não estão dentro desse espaço designado oficialmente esperam juntar-se a esse clube exclusivo de privilegiados.
Com o objetivo dessa expansão, em outubro, uma equipe de especialistas indicados pelo governo francês, elaborou uma lista secreta de 40 comunidades, ou comunas, que poderão vir se juntar às outras 319 cujo produto tem a designação Appelation d?Origine Controlée, AOC (Denominação de Origem Controlada, DOC), um cobiçado, embora difícil, certificado que legitima o conteúdo, o método e a origem de produção de um produto agrícola francês. A iniciativa, se aprovada, dará início à maior expansão das vinhas de champanhe em oito décadas.
A lista vazou imediatamente para o jornal local de Reims, provocando uma onda de protestos e ações judiciais, além de alimentar rumores sobre quem poderá fazer fortuna com a expansão. As terras de Mousseaux, por exemplo, foram deixadas de fora. Apenas uma comunidade da região de Aisne, onde ficam as terras dele, foi incluída.
"Isso é incompreensível", disse o prefeito Mousseaux, cuja família se dedica há gerações ao cultivo de uvas na terra seca e pedregosa. "Temos exatamente o mesmo solo das áreas que foram selecionadas, temos o mesmo sol, as mesmas belas colinas. Esta terra é tão perfeita que as uvas crescem até em nossos jardins."
Embora sua propriedade esteja somente a dez quilômetros do território produtor de champanhe oficial, ele é considerado um intruso, proibido de vender o que informalmente chama de Vin de Serval. Suas garrafas são lacradas com rolhas de metal porque as de champanhe, de cortiça, são caras. Há anos Mousseaux participa de um lobby de 350 agricultores - na ativa e aposentados - que leva o desajeitado nome de Associação para a Delimitação de uma Vinha de Champanhe e Colinas de Champanhe DOC nos Vales do Aisne e de Vesle, cuja meta é expandir a plantação de uvas para champanhe para suas terras.
A associação mantém um arquivo de fotos antigas de vinhas e de fórmulas de champanhe que provam a entrega das uvas da família para uma fábrica produtora de champanhe oficial em 1962, época em que os controles legais tinham menos rigidez.
Mas outros envolvidos na reformulação do mapa do champanhe da França são mais radicais. Dizem que a decisão é muito mais complicada que o tamanho das bolhas da bebida.
Eles repudiam vinicultores como Mousseaux, taxando-os de românticos incorrigíveis que desconhecem os cinco critérios envolvidos: a história do champanhe, a geografia, a geologia, agronomia e uma área obscura, a fitossociologia, que estuda o comportamento das plantas num determinado ecossistema.
Ghislain de Montgolfier, presidente (está de saída do cargo) da empresa Bollinger e diretor da União das Casas Produtoras de Champanhe, grupo comercial que congrega todos os fabricantes da bebida, disse: "Tenho alguns bons amigos entre esses agricultores, mas digo a eles que as velhas regras não são padrão de julgamento. Hoje há um sistema científico e jurídico mais racional. Alguns ganham e outros perdem."
O principal motivo de tanta agitação com essa possível expansão da área de produção do champanhe é que muito dinheiro está em jogo. O valor das terras de plantação de uva destinada à produção de champanhe é no mínimo 200 vezes maior que o das terras de plantio de trigo e beterraba, diz Daniel Lorson, porta-voz do Comitê Interprofissional dos Vinhos de Champanhe, organização profissional especializada. Tom Stevenson, autor da World Encyclopedia of Champagne and Sparkling Wine (Enciclopédia Mundial do Champanhe e Vinhos Espumantes), a partir de uma análise feita em novembro, calcula que, com base na localização das 40 novas comunas selecionadas, entre 1.200 e 4.800 hectares serão acrescentados. O que poderá gerar cerca de US$ 9 bilhões para os proprietários das terras.
Historicamente, a plantação de uva nesta parte da França não significou enriquecer. Muitas áreas nunca se recuperaram depois do ataque do parasita filoxera, que, no século 19, destruiu as vinhas francesas, e também da devastação da 1ª Guerra Mundial. Muitos prefeitos não queriam que seus municípios fizessem parte da região vinícola alegando que os produtores de champanhe eram mais aristocratas que empresários. Além disso, a pecuária e o cultivo de grãos eram mais lucrativos.
A definição da região do champanhe veio com uma lei promulgada em 1927, que levou em conta a qualidade do solo, os níveis de água subterrâneos e a exposição do terreno ao sol. Essa área se expandiu desordenadamente com os anos, chegando hoje a mais de 32 mil hectares.
"As pessoas começaram a perguntar por que o status de champanhe era dado a uma comuna e não a outra", disse Hervé Briand, diretor-adjunto do Instituto Nacional de Denominações de Origem, agência governamental encarregada de fiscalizar a qualidade das bebidas e alimentos na França. "Com isso percebemos que era preciso ter uma abordagem global."
Grande parte da terra oficialmente designada como de champanhe já era cultivada e a demanda, num setor que contabiliza US$6 bilhões por ano, vinha crescendo, sobretudo a demanda de novos mercados, como Rússia, China e Índia. Assim, há quatro anos, o instituto ordenou um estudo sobre uma possível expansão. Certamente, não teremos novos viticultores milionários da noite para o dia. Mesmo que o Instituto Nacional aceite as recomendações iniciais, será realizada uma discussão pública, com duração de um ano. E então chega-se à fase mais difícil, a da decisão. No mínimo em 2009, os novos lotes de terra específicos para produção de uvas de champanhe serão escolhidos.
Em principio, o solo arável dessas terras deve ter luz e não ser muito fértil, seu subsolo deve ser calcário, suas colinas devem ter face para o sul. Os campos não podem ser muito vulneráveis ao gelo ou muito próximos de florestas. Para manter a qualidade, o volume máximo de produção por hectare é determinado por lei a cada ano.
Nos próximos anos, não devem ser plantadas novas vinhas. E a primeira safra da ?nova? região champanhe? estaria prevista apenas para depois de 2015.
Executivos das grandes casas produtoras de champanhe mal disfarçam a sua satisfação com essa expansão. "Estamos muito calmos, impassíveis", disse Pierre-Emmanuel Taittinger, diretor gerente da gigante casa de champanhe Taittinger, que pressiona por uma mudança há mais de duas décadas. "Ela é tão obviamente lógica...", disse ele.
Fonte:
www.estadao.com.br
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