7 de janeiro de 2008

Os devoradores de ostras

Eu adoro ostras...
Uma vez ouvi minha mãe dizer:
"Você vai acabar tendo uma síncope com isso!!"
Quer saber?
Nem ligo... posso ter um troço, mas tenho um troço feliz...
Essa matéria foi publicada no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO

Por Dias Lopes - O ESTADO DE SÃO PAULO

Seis ostras cruas proporcionam suficiente prazer a qualquer pessoa. Mas alguns gastrônomos históricos ultrapassaram bastante essa baliza. Os excessos foram cometidos mais pelos homens que pelas mulheres, muitas vezes avessas à textura gelatinosa, cheiro e gosto de mar das ostras. É bem verdade que a polonesa Maria Leszczynska (1703-1768), rainha da França pelo casamento com Luís XV, contrariava a regra. Gulosa incorrigível, festejou o nascimento das filhas gêmeas Luísa Isabel, a Madame Premiére, e Henriqueta Ana, a Madame Séconde, nem bem as meninas vieram ao mundo, engolindo 180 ostras. Entretanto, são masculinos os recordes públicos de consumo de um molusco pertencente à ordem Ostreoida, que surgiu no mar em princípios da Era Secundária, há cerca de 175 milhões de anos. Diz a tradição que o imperador romano Vitélio (12-69 d. C.), celebrizado pelo caráter vingativo e devassidão moral, seria capaz de devorar mil ostras por dia. Menos devastador, o conde de Mirabeau (1749-1791), político de relevo na Revolução Francesa, chegou a comer 360 após uma sessão da Assembléia Nacional. Enquanto isso, o gastrônomo francês Jean-Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826), autor do clássico A Fisiologia do Gosto (Companhia das Lertras, São Paulo, 1995), contentava-se com 150 no aperitivo.

Não foi por acaso, portanto, que o francês Jean François de Troy (1679-1752), pintor especializado em festas galantes e cenas históricas, retratou exclusivamente homens no quadro Refeição com Ostras. Várias teorias procuram explicar a voracidade masculina. A mais fantasiosa associa o ritual de arrancar o corpo da ostra, tirando-o da concha calcificada onde vigorosos músculos adutores o protegem, ao instinto da caça. Outra relaciona à crença de que saborear o molusco atiça o apetite sexual. Convicto desse efeito, o sedutor veneziano Giacomo Casanova (1725-1798) comia 12 ostras no café da manhã e 12 no almoço. Os bordéis franceses do início de 1900 ofereciam-nas como "preventivos" aos clientes inseguros do desempenho viril. A convicção de que seriam afrodisíacas deriva da concentração de metais sob a concha: zinco, cobre, ferro, manganês, magnésio e cálcio. Além disso, contêm ácidos aminados, fósforo, lecitina, esteróis semelhantes aos hormônios, fosfatos, vitaminas A, C, D.

Também já se afirmou que comer ostra desperta a fome. Assim pensavam três ilustres gastrônomos franceses. O primeiro foi o economista Roberto Jacques Turgot (1721-1781), ministro de Luís XVI, a quem a rainha Maria Antonieta fez destituir do cargo, impedindo a adoção de uma reforma financeira que contrariava os interesses das classes privilegiadas e talvez adiasse a eclusão da Revolução Francesa. Ele supunha turbinar o excelente apetite comendo cem ostras cruas antes da primeira refeição do dia. O extravagante e divertido escritor Alexandre Grimod de la Reynière (1758-1837), rival de Brillat-Savarin e autor do Manual dos Anfitriões (Editora Degustar, São Paulo, 2005), fazia coro. "As ostras constituem a entrada habitual dos desjejuns de inverno", afirmava. "Sem dúvida, resultam quase indispensáveis." Já o filósofo Voltaire (1694-1778), símbolo do iluminismo francês, acreditava que 10 a 12 dezenas de unidades por pessoa favoreciam o apetite. Enfim, já se difundiu que o fósforo encontrado no molusco aguçaria a inteligência. Luís XI, da França, recomendava aos professores universitários que se fartassem de ostra pelo menos uma vez por ano. O estadista, filósofo e orador romano Cícero (106-43 a.C.) assegurava consumi-la para se tornar intelectualmente mais ágil e ainda alimentar a eloqüência. Especulações à parte, as pessoas sempre comeram ostras porque gostam. Vale lembrar que o Brasil cultiva duas espécies. A nacional, denominada Crassostera brasiliana ou rhizophorae, encontrada no litoral sul de São Paulo, encanta os apreciadores iniciantes pela textura macia e sabor suave; a Crassostera gigas, de origem japonesa, cultivada perto de Florianópolis, atrai os experts pela porcentagem superior de sal, textura relativamente firme e acentuado gosto de mar.

O único gastrônomo famoso a ter com a ostra uma relação ambivalente foi o romancista e dramaturgo francês Alexandre Dumas (1808-1870), autor de Os três Mosqueteiros. No (Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2006), ele a definiu como ser "deserdado" pela natureza. "Acéfalo, isto é, sem cabeça, não detém o órgão da visão nem o da audição nem o do olfato", escreveu. "Seu sangue é incolor; seu corpo adere às duas valvas da concha por meio de um músculo poderoso, com a ajuda do qual ela abre e fecha; tampouco possui órgão de locomoção: seu único exercício é dormir e seu único prazer é comer." Entretanto, sentando à mesa, Dumas ia à luta. A lenda diz que era capaz de encher baldes com as conchas esvaziadas numa refeição. Segundo ele, os verdadeiros amantes do molusco devem saboreá-lo ao natural. No máximo, podem usar algumas gotas de limão; ou, então, um molho à base de vinagre, pimenta-do-reino e échalote. Condimentá-lo de outro modo ou cortá-lo em pedaços, nem pensar.

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