Salvador: Primeira capital brasileira chama atenção por comida, dança e música
Salvador foi a primeira capital do Brasil Colônia, desde 1549 até 1763, quando perdeu o posto para o Rio de Janeiro. Até hoje as duas metrópoles competem para atrair turistas nacionais e estrangeiros. No Recife a trilha sonora pode ser de melhor qualidade e muitas praias paulistas e catarinenses batem as da capital baiana em beleza paisagística e infra-estrutura, mas só em Salvador as conexões com a África são explícitas, o que a torna especial entre as grandes cidades brasileiras.
A cultura afro-brasileira se deixa literalmente tocar pelos turistas que escolhem Salvador. As cores e os sons do continente que forneceu seus homens mais robustos e capazes como escravos (os frágeis não resistiam sequer à viagem de navio) se renovam diariamente no sincretismo da religião, em terreiros ou igrejas; no berimbau que chama a capoeira a qualquer hora do dia; nas formas redondas das baianas servindo quitutes com óleo de dendê e leite de coco.
Os casarões do Pelourinho, cartão-postal e patrimônio da humanidade, foram restaurados nos anos 90 do século 20 e desde então a área é sinônimo de boas-vindas, confraternização, conforto em hotéis e pousadas. Quem se instala ali está longe da praia e a poucos passos dos ensaios do Olodum, da explosão barroca do Convento de São Francisco e da Missa Negra (catolicismo com atabaques) na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
A fama do "pelourinho" original é avessa à alegria e muito anterior aos açoites para punir escravos no Brasil. Ainda no século 16, em Portugal, a coluna de pedra representava o poder do rei contra criminosos e era um local público de leitura das sentenças. Saber que, em respeito à história, o Pelourinho manteve o nome que remete ao sofrimento comprova mais uma vez o talento nacional de transformar limão em caipirinha.
Praias e trios elétricos
Salvador se desenvolveu como pólo urbano de grandes distâncias entre uma atração turística e outra. A cantada praia de Itapuã, por exemplo, fica a 27 km do centro - e o transporte público lá não esbanja o padrão dos ônibus porto-alegrenses ou alemães. A praia de Ondina tem a vantagem de receber os trios elétricos no Carnaval e Rio Vermelho é concorrida pela vida noturna e pelas famosas baianas do acarajé. Nenhuma dessas duas praias próximas ao centro, porém, impressiona pela qualidade da água. Se os planos de férias incluem banho de mar da manhã à tarde, a hospedagem nas proximidades da orla é estratégica para não perder tempo nos deslocamentos.
Em fotografias do alto, olhando de longe, as multidões que se aglomeram nos blocos de rua de Salvador, Recife ou Olinda se assemelham, diferenciando-se dos foliões de sambódromo do Rio ou de São Paulo. A capital baiana, porém, organiza aquele caos de forma metódica: os trios elétricos seguem trajetos rígidos em três circuitos distintos. E os seguidores dos trios que pagaram antecipado para vestir o abadá são protegidos por seguranças e posto médico, do lado e ao mesmo tempo apartados da multidão. Fora do cordão de isolamento, é preciso contar com a sorte para evitar assaltos e outras agressões.
O circuito Batatinha começa e termina no Pelourinho, com marchas e fantasias à moda antiga, de um tempo anterior à estética para a TV. O circuito Avenida, também chamado Campo Grande, começa à beira da Baía de Todos os Santos, em Campo Grande, e segue até a Praça Castro Alves e adjacências, não muito longe do Pelourinho. E o circuito Barra-Ondina tem o refresco permanente do mar, chacoalhando os ossos pela avenida Oceânica, do bonito Farol da Barra até Ondina. Os abadás são vendidos por dia ou com desconto para todos os dias (neste caso, atrás de um bloco só), o que permite ao folião variar de paisagem, das ladeiras do centro às avenidas da orla, e também do tipo de música.
Cidade Alta, Cidade Baixa
O Elevador Lacerda e o Plano Inclinado do Pilar ligam a Cidade Alta à Cidade Baixa. Muito antes da existência de ambos, a divisão arquitetônica que reflete uma sociedade de duras hierarquias foi transposta das cidades de Portugal para a colônia no Novo Mundo. Na parte superior se instalavam o poder do rei, da justiça e da igreja. Na parte baixa espalhavam-se atividades como as do comércio e transportes, com a obrigação de defender a fina flor da sociedade em caso de ataque.
No livro "As Cidades do Brasil - Salvador", o músico Tom Zé defende uma tese encantadora sobre o verdadeiro tipo de proteção que as gentes do andar de baixo ofereceram aos poderosos do andar de cima. Segundo ele, foram os bordéis da Cidade Baixa, "um laço mágico de puteiros", que funcionaram como engenho bélico ante o risco de destruição. A cada tentativa de subida nas ladeiras, os invasores eram exauridos pelas artes femininas do amor pago.
Tom Zé criou o tropicalismo no final dos anos 60, junto com Gilberto Gil e Caetano Veloso. Os três, mais as cantoras Gal Costa e Maria Bethânia, formam um quinteto mágico da cultura baiana e nacional, vozes que há décadas o brasileiro identifica na primeira palavra da canção. Dúzias de baianos que se dedicam às artes da expressão popular conquistaram o carinho profundo da população e também o respeito internacional, o que convida o visitante a refazer seus roteiros sentimentais por Salvador e arredores. Percorrer o Rio Vermelho de Jorge Amado, a Itaparica de João Ubaldo Ribeiro ou a Cidade Baixa dos traços sem pudor de Carybé é uma forma de pedir a companhia de suas criações.
Entre os "1.000 Lugares para Conhecer antes de Morrer" do best-seller de Patricia Schultz, 46 itens estão no Brasil (mais o roteiro gastronômico em São Paulo) e, destes, 12 atrações ficam no Rio de Janeiro e seis na da Bahia. Sobre a capital soteropolitana, o guia recomenda não cometer a indelicadeza de se despedir da visita antes de visitar o Pelô, brincar nas festas e comer o acarajé. Um show de capoeira poderia muito bem ter sido incluído aí. Aquelas esculturas negras ambulantes fazem com os pés e as pernas volteios que boa parte da humanidade não consegue fazer com os dedos da mão. A importância destas manifestações está bem explicada e ilustrada nos museus e fundações culturais, abertos o ano inteiro.
Fonte:
http://www.olhardireto.com.br
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